Um pastor, em uma palestra para
uma comunidade iniciou sua fala dizendo algo mais ou menos assim::
Tenho três coisas que eu
gostaria de dizer hoje. Primeiro, enquanto dormia na noite passada, 30 mil
crianças morreram de fome ou doenças relacionadas à desnutrição. Em segundo
lugar, a maioria de vocês não dá a merda de importância. A terceira e o pior
de tudo é que você fica muito mais chateado com o fato de eu ter dito
"merda" do que com as 30 mil crianças morreram ontem à noite.
Ao citar isso, a gente obriga
as pessoas a provar seu ponto de vista respondendo algo mais ou menos como,
"Sim, entendi, mas eu ainda gostaria que ele colocasse o assunto de uma
maneira mais educada..." Hummm, bem esta é a questão. A questão levantada
por este sociólogo, na minha opinião, não é sobre as crianças (embora seja,
obviamente); sua questão é que nós (cristãos) ficamos indignados com as
coisas erradas. Nosso sentimento moral de indignação é na maioria das
vezes muito mal direcionada.
O fato de termos rapidamente
percebido a linguagem chula que nos ofende, antes de realmente registrarmos o
fato de que as crianças estão morrendo, nos diz muito sobre o que nos precisa
ser dito. Qualquer foco em um termo chulo e não em seu ponto maior de que
as crianças estão morrendo de fome ou desnutrição e que podemos ser cúmplices já
prova o que precisa nos chamar a atenção. Se houvesse um pequeno suspiro
da multidão quando as palavras foram ditas ou, no mínimo, um estranhamento -
tais reações foram mal direcionadas. As pessoas da congregação ficaram
indignadas com a coisa errada.
O cristianismo acabou tomando o
viés legalista, simplista e superficial do fundamentalismo (e até mesmo muitos
aspectos do evangelicalismo), aliás, nisso podemos nos abraçar com o povo
islâmico.Isto gera alguns gatilhos bastante estranhos sobre o que é que devemos
nos ocupar, ou nos indignar. Aqui estão apenas alguns:
1.
Se você
fica indignado ao ouvir que o casamento gay é legal ou que uma pessoa
transgênera pode usar o mesmo banheiro público que você, mas você fica menos indignado
com o ódio, a violência e a discriminação dirigidas a essas pessoas, muitas
vezes levando ao suicídio: Você
está indignado com as coisas erradas.
2.
Se você
fica indignado quando as pessoas usam a saudação "Boas festas" em vez
de "Feliz Natal", mas você fica menos indignado com o uso desperdício
de recursos durante esta temporada e o consumismo superficial desenfreado
enquanto muitos vivem na pobreza: Você
está indignado com as coisas erradas.
3.
Se você
fica indignado quando o governo usa seu poder para fazer corporações proteger
seus trabalhadores e proteger o meio ambiente e você chama o governo de
paternalista, mas você não fica nem um pouco indignado quando esses
trabalhadores são explorados, feridos ou o meio ambiente é gravemente
prejudicado: Você está
indignado com as coisas erradas.
4.
Se você
fica indignado com as famílias que recebem “Bolsa Família”, mas você está menos
indignado com as estruturas institucionais, sociais e culturais que muitas
vezes criam a necessidade de tal ajuda: Você
está indignado com as coisas erradas.
5.
Se você
fica indignado quando vê pessoas fumando cigarros ou bebendo álcool, mas você
não fica nenhum pouco indignado quando você vê as pessoas se empanturrando, ou
desperdiçando comida, sabendo que as pessoas vão para a cama com fome todas as
noites: Você está indignado
com as coisas erradas.
6.
Se você
fica indignado quando entra em cartaz filmes que contêm linguagem grosseira ou
nudez, mas você fica menos indignado com as exibições excessivas, sádicas e
pornográficas de violência, assassinatos, sangrento e sangria em filmes de
guerra, filmes de ação ou mesmo filmes como "A paixão do
Cristo": Você está
indignado com as coisas erradas.
7.
Se você
fica indignado quando o congresso passa leis razoáveis de restrição de armas, mas você está menos indignado com a
quantidade de mortes acidentais relacionadas a armas de fogo entre as crianças e o nível geral de violência armada no mundo: Você está indignado com as coisas erradas.
8.
Se você
fica indignado quando sente que o governo está restringindo suas liberdades
religiosas, por que não se ora mais o Pai Nosso nas escolas, ou por que não tem
mais ensino religioso confessional, ou por que se tirou os símbolos cristãos de
câmaras de vereadores e tribunais, mas você fica bem menos indignado ou até
mesmo aplaude a restrição das liberdades religiosas das outras religiões: Você está indignado com as coisas erradas.
9.
Se você
fica indignado quando alguém comete adultério ou nos lapsos sexuais do próximo,
mas você fica bem menos indignado quando as pessoas se reúnem para
apedrejá-los, ou se reúnem para lançar insultos, fofocar ou evitá-los, ou envergonhá-los,
ou aprovar leis para excluí-los: Você
está indignado com as coisas erradas.
Se a nossa resposta ao que foi
exposto acima é ainda é, "Eu entendi, MAS ..." você já perdeu a razão e teve
razão, tudo ao mesmo tempo. Sim, você pode estar indignado com esses
outros aspectos (corretamente ou incorretamente). A questão, no entanto, é
que esses aspectos são pálidos em insignificância quando colocados ao lado da
mais profunda e muito mais importante falha moral observada - a falha que realmente deveria nos indignar.
Seria como se alguém contasse a
Jesus, pouco antes de virar as mesas do cambista e agarrar um chicote, como
eles estavam indignados pelo preço das pombas naquele ano. Vejam bem, não
é uma falsa dicotomia. É um problema de escala.
Lembro-me de uma cena no filme
"A vida é bela" onde vemos Guido (Roberto Benigni) tão feliz de
pensar que seu velho amigo, o médico nazista, o ajudará depois que o médico o
reconhecer e facilitar sua vida dentro da Campo de extermínio. O médico se
lembra de quão inteligente era seu amigo e como ele conseguiu resolver enigmas
difíceis. Começamos a pensar que o médico percebe o erro moral do campo de
extermínio. Talvez ele tente salvar Guido e sua família. Mas não,
finalmente percebemos, como faz Guido, que o médico simplesmente queria ajuda
para resolver um enigma. Ele não vê Guido nem o sofrimento. Isso não
o aborrece. O que o incomoda é não está encontrando a resposta para algo
tão insignificante quanto um enigma. Ele até diz que não pode dormir à
noite por causa disso.
Um exemplo
extremo? Talvez. Ainda assim, acho que este é o tipo de pessoa em que
nós, cristãos moralistas, nos parecemos, ou talvez corremos o risco de nos
tornarmos, quando ficamos indignados com as coisas erradas, quando focamos o
incidental e perdemos a questão moral mais profunda. Cristãos e seguidores
de Cristo: peçamos a Deus para não sermos tal pessoa.