Porto Alegre, 04 de setembro de 2014
Eleições 2014
O exercício da fé cidadã
O povo brasileiro experimenta um período democrático duradouro. Ao longo de várias
décadas ele vem tendo a oportunidade para se manifestar e expressar a sua opinião por
ocasião da eleição de pessoas para funções nos níveis municipal, estadual e federal. No mês
de outubro deste ano, milhões de brasileiros e de brasileiras irão se dirigir às urnas com o
objetivo de eleger representantes para os legislativos e executivos estaduais e federais.
O cenário eleitoral mostra que essa rotina está permeada por sentimentos contraditórios.
Observa-se, de um lado, entusiasmo e grande paixão. De outro lado, verifica-se um desânimo
em setores significativos da sociedade. Apesar das mudanças e das melhorias acontecidas em
diversas áreas, podem ser elencados problemas e dificuldades que perduram.
A consolidação de uma rotina eleitoral, sinal de amadurecimento da democracia, por sua vez,
também desperta certa frustração com o sistema político brasileiro. O nível de informação
sobre a realidade cresce em meio à população e a democracia representativa parece não
dar conta das dificuldades que perduram.
O descrédito para com a classe política e a fragilidade dos processos decisórios fazem crescer
a vontade de uma maior participação cidadã nas decisões que envolvem projetos,
investimentos e gestões públicas. As pessoas querem sair da sua posição de expectadoras e
desejam uma intervenção mais decidida na formulação, implementação e fiscalização de
políticas públicas. Surge a consciência de que democracia é mais do que o simples exercício
do voto a cada dois ou quatro anos. Emerge a perspectiva de que a cidadania diz respeito à
participação e ao envolvimento político no cotidiano da vida.
A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) está envolvida com o processo
político brasileiro. Ao longo das três últimas décadas, emitiu cartas pastorais, posicionamentos e
declarações sobre temas da realidade brasileira. Com toda clareza a Igreja evita separar a fé
e a política, ainda que as distinga. Com muita convicção ela afirma a dignidade da vocação
política e a reconhece como um chamado a serviço do povo com vistas à promoção da
justiça, da paz e da fraternidade.
A partir da teologia luterana, entende-se que Deus tem o Estado como instrumento de ação no
mundo. Deus coloca a seu serviço governos e instituições, independente de sua orientação
religiosa. Mesmo que ao longo do tempo tenha havido uma mudança nas estruturas políticas e
em sua representação, o Estado torna-se insubstituível. A sua superação dar-se-á somente
quando a lei estiver inscrita no coração das pessoas (Ezequiel 36.26s) e quando Deus habitar no
meio do seu povo (Apocalipse 21.3s).
A IECLB faz parte da tradição protestante que se empenha pela separação de religião e
Estado. Preconiza a defesa do Estado laico. A IECLB incentiva sempre a participação em
partidos políticos como canais institucionais que expressam valores e ideologias presentes na
sociedade brasileira. Condena vícios nefastos presentes na cultura política brasileira. Dentre
eles, destaca-se o clientelismo, o coronelismo e a defesa de interesses meramente corporativos
e pessoais. Por isso, para a IECLB, o assédio às pessoas identificadas com a fé evangélica por
parte de candidatos/as e a tentativa de transformá-las em um curral eleitoral representam um
grande desserviço à democracia.
A IECLB evita a tentação de exercer qualquer tipo de tutela sobre os seus membros. Ela não tem candidatos próprios por uma questão de princípio: ela não é partido político! A partir do Evangelho, as pessoas, ao mesmo tempo cidadãs e membros da Igreja, têm uma profunda liberdade para agir responsavelmente na sociedade e no mundo. Nenhuma pessoa pode ser coagida a agir contra a sua consciência. Nenhuma liderança eclesiástica pode impor qualquer candidatura ou proposta político-partidária. Deve, isso sim, incentivar a reflexão sobre valores e princípios a serem considerados nas escolhas políticas.
Com base nessa visão, torna-se condenável o uso e abuso de símbolos religiosos ou mesmo o nome de Deus como forma de sensibilização para ganhar o voto das pessoas. Para a teologia luterana, Deus fica descartado como cabo eleitoral e nenhuma candidatura pode arvorar-se como preferida de Deus. O uso do nome de Deus para mascarar interesses particulares torna-se uma ofensa a Seu nome. A defesa de interesses pessoais e corporativos, inclusive de igrejas, representa uma forma de egoísmo grupal. Pisoteia o valor sublime da política que se caracteriza pela dedicação ao bem comum, pela defesa da dignidade humana e pela transformação da sociedade.
A partir da liberdade proporcionada por Cristo, as pessoas evangélico-luteranas chamam a si a prerrogativa da crítica e do questionamento às instituições quando estas não estiverem a serviço da justiça, da paz e da integridade da criação. Pessoas evangélico-luteranas não voltarão as costas para a política quando regimes e governos estiverem prestando um desserviço à sociedade. Contribuirão, isso sim, para a sua reforma, seu redirecionamento, sua transformação ou sua substituição segundo os propósitos de Deus.
No ano em que a IECLB celebra seus 190 anos de história e tem como tema ”viDas em comunhão”, o processo eleitoral torna-se uma oportunidade para fortalecer vias que promovam a “paz da cidade”. Em meio à efervescência eleitoral, os membros das comunidades são chamados para o exercício da fé cidadã de forma responsável, evitando (sobretudo nos debates nas redes sociais) linguagens generalizantes de uma crítica fácil e superficial. Igualmente, todas as pessoas são conclamadas para o exame cuidadoso dos históricos de vida das candidaturas, das suas trajetórias políticas, dos seus programas, dos seus compromissos assumidos e a discernir o projeto a ser apoiado à luz dos valores evangélicos.
Exercitemos, pois, a cidadania que brota da fé! Participemos da vida política como resposta à vocação de Deus! Oremos a Deus para que a civilidade, a paz, a justiça, a harmonia, a liberdade, a democracia se tornem realidade pelos vínculos baseados no respeito, no diálogo, na gratidão, na partilha e na diaconia!
Procurai a paz da cidade para onde vos desterrei e orai por ela ao Senhor, porque na sua paz vós tereis paz (Jeremias 29.7).
Nestor Paulo Friedrich
Pastor Presidente
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