Como
jovem eu gostava de ajudar um tio, que era ferreiro e fabricava ferramentas
para o trabalho na lavoura.
Um
pedaço de ferro ou de aço era colocado nas brasas até ficar incandescente...
depois era martelado e batido até pegar a forma da ferramenta desejada... mas,
até que a ferramenta ficava pronta, ela precisava voltar várias vezes ao
braseiro.
Nossa
convenção aqui em Curitiba é parecida com tal ferraria.
Os
assuntos aqui tratados foram quentes e nós, obreiros e responsáveis pelos serviços
de formação e administração na IECLB, fomos o aço que é colocado no braseiro, e
fomos martelados e malhados para pegar a
forma que Deus quer ver em seus
ministros..
A
Dorothea colocou – com grande sabedoria e empatia - diante de todos nós – a história,
as alegrias e as dores da Família Ministerial.
O
que vamos fazer agora com esta palestra, que mexeu conosco, que despertou
concordância e certamente também discordância?
Permitam
sublinhar e acrescentar alguns tópicos ao que ouvimos:
Desde
o tempo da Reforma, a família pastoral, ou ministerial, como se prefere
hoje, ocupou um lugar de destaque nas comunidades evangélicas e sempre tinha um
status especial e diferenciado.
O
pastor, quase sempre, era muito respeitado e em certo sentido temido – muitos
membros ficavam inibidos diante dele e bancavam ser, o que na verdade não eram.
Uma
pequena história pessoal:
Em
princípios de 1962, eu assumi meu primeiro pastorado na paróquia de Santa
Isabel, minha terra natal.
Präses
Stoer, presidente do Sínodo, reuniu, antes de minha designação, os membros da
Comunidade e lhes explicou, que eles receberiam agora um filho da comunidade
como seu pastor e acentuou:
Vocês
devem amá-lo e respeitá-lo como o vosso pastor. Ele agora não é mais o filho,
sobrinho, primo e amigo de vocês – mas o pastor de vocês”.
Quando
cheguei com minha mudança, fui calorosamente recebido como pastor...mas era
muito estranho, ser chamado “Herr
Pfarrer” – Sr. Pastor por meus tios,
primos e ex-colegas de escola.
Quando
fui celebrar o primeiro culto numa Comunidade filial, na Segunda Linha,
montando o meu “Baio”, lembrei que há 14 anos passados, eu ganhava um
dinheirinho de bolso para ficar de guarda, no final da tarde dos Domingos em
que havia culto na 2ª Linha.
Quando
o pastor aparecia lá na curva dos Rassweiler, eu saía em disparada para a
venda, onde os.homens jogavam cartas e onde circulava um copo com uma
cachacinha, e gritava: “Der Pfarra kemmt” = 0 pastor vem..
O
copo com a caninha desaparecia e as cartas eram escondidas... sentavam em cima
delas, até que pastor passara.
Nesse
dia, quando voltei no fim da tarde, e cheguei lá na curva dos Rassweiler .. vi
meu sobrinho sair em disparada...
Quando
cheguei na venda, saltei do cavalo, entrei e fui cumprimentar os homens
sentados ao redor da mesa ... eles fizeram uma pequena menção de levantar...
mas não podiam... porque estavam sentados em cima de suas cartas.
Rindo,
eu segurei a mão de meu tio e padrinho e disse: Vor dem pastor muss man richtig
aufstehn, Onkel Betti... e o puxei para
cima, tomei suas cartas e joguei uma rodada com eles...
Assim,
aos poucos, a distância entre
membros e pastores diminuiu e foi superada.
Experiências
semelhantes, outros colegas também tiveram.
Hoje, eu gostaria de perguntar: Será que
essa superação – duma certa distância entre pastor e membros – foi bom para os
serviços pastorais?
Certamente,
foi necessário libertar o pastor, a Frau Pastor e os filhos do casal dum status
que os forçava a aparentar algo, que na realidade eles não eram e não queriam
ser.
Mas decorrer dos últimos anos aconteceu
um nivelamento entre pastores e membros que, em meu entender, prejudicou os
serviços pastorais, porque afetou a função pastoral, o específico do pastor.
Um
certo distanciamento entre pastor e membro, como entre médico e paciente,
professor e aluno é de vital importância, pois o ser humano necessita
de um parâmetro de vida.
É
bom lembrar que num passado, um pouco mais distante, o respeito ao pastor tinha
suas raízes na sua função e não na sua pessoa.
Exemplifico: Quando, como menino, perguntei minha avó por que a
gente tinha que usar sapatos e a melhor roupa para ir a igreja, ela respondeu: porque lá vamos nos encontrar com Deus!
Como
na época só acontecia um culto por mês, ninguém faltava.
Lá
ao redor da igreja, antes do culto, todos se cumprimentavam e conversavam
animadamente.
Cinco
minutos antes de o culto iniciar tocava o sino.
Todos
tiravam o chapéu e entravam na igreja com respeito e em profundo silêncio,
faziam sua oração e sentavam.
Quando
o pastor, paramentado, entrava na igreja e se dirigia ao altar, o sino tocava
novamente e toda a comunidade se colocava de pé.
No culto vamos nos encontrar com
Deus!
Essa
frase é uma confissão de fé.
Nossos
ancestrais sabiam o que eles estavam dizendo e fazendo quando iam ao culto.
O
encontro com Deus na igreja era um momento muito dinâmico e o povo
experimentava verdadeiro recondicionamento nesse encontro.
No
“Gottesdienst” o pastor tinha uma dupla
função: ele era porta voz de Deus
na pregação, na absolvição dos pecados e na Bênção.
E
era o porta voz da comunidade na confissão
dos pecados e nas intercessões.
O pastor estava ciente e consciente da
grande responsabilidade que lhe cabia nesse encontro com Deus e a comunidade
também o sabia.
O
Pastor se dirigia ao altar e ao púlpito com temor e tremor porque neste
encontro ele era porta voz de Deus, e falava em nome de Deus.
A
palavra Gottesdienst sempre era entendida em sentido duplo: Deus nos serve
através do perdão dos pecados, através da pregação de sua palavra e da Bênção e
a comunidade serve a Deus com seu canto de louvor e adoração, através da
confissão de sua fé e da oração.
O culto, assim entendido e celebrado,
alimentou os nossos ancestrais luteranos durante mais de cem anos.
Não havia outros serviços e as
comunidades só cresciam, mesmo que restrito aos descendentes de alemães.
Pergunto: Será que o culto, de nossos dias, ainda é sentido e
experimentado como um Encontro com Deus?
A igreja ainda representa um lugar
santo e sagrado, diante da qual, em tempos passados, as pessoas tiravam o
chapéu ao passarem por ela?
Nós
pastores ainda estamos cientes e conscientes que no culto somos porta voz de Deus quando pregamos, anunciamos perdão e
colocamos a Bênção sobre a Comunidade?
Gostaria
de lembrar que colocar a Bênção
é muito mais que desejar a Bênção!!! Veja Números 6,23 -27.
O culto assim entendido é celebração genuinamente luterana.
Tenho
a impressão que a reforma litúrgica dos últimos tempos, esvaziou a sobriedade e
dinamicidade do nosso culto e tornou os membros inseguros... muitos de nossos
membros, quando participam de cultos em outros lugares, não reconhecem mais sua
Igreja.
Pergunto: Será que
muitas das crises vividas hoje por pastores e suas famílias não estão
relacionadas com certo esvaziamento da função pastoral?
Esse
esvaziamento do “próprium” da função pastoral tem sua origem em uma serie de
fatores. Cito alguns:
1) Nossos pastores estão sobrecarregados com programas e
programações. Vivem correndo para os mais diferentes grupos de trabalho nas
comunidades e nos Sínodos.
2) A conseqüência
desse corre...corre é que eles não tem mais tempo para ler, meditar,
orar e preparar uma boa prédica, para então subir no púlpito como porta voz de
Deus.
3) A falta de tempo para o Studier= e Betzimmer, - A sala de estudo e oração – como era
entendido o escritório do pastor, gera muitos conflitos, por exemplo: O pastor
que precisa pregar e ensinar a palavra de Deus, e não tem tempo para se
preparar, torna-se superficial e no decorrer do tempo perde a sua auto-estima e
autoconfiança, e, torna-se um barato mestre de cerimônias.
4) Nesse contexto também nossas conferências de obreiros
precisam ser avaliadas. Nessas conferências há espaço e tempo para reflexão
teológica com exegese e temas atuais? Ou gastamos esse tempo precioso com
assuntos de agenda?
5)
É preciso
acentuar ainda, que todo pastor e todos os obreiros dos demais ministérios
ordenados, para poderem servir bem as comunidades a eles confiadas, precisam de
muita autoconfiança e auto-estima. Isso
não num sentido de auto-elevação e autoritarismo, mas a partir da função e
autoridade que lhes foram conferidas na sua ordenação.
A
Dorothea nos forneceu, em sua palestra, muitos aspectos das dores que
atormentam nossos obreiros e suas famílias e indicou possíveis saídas.
Eu
gostaria de propor agora, que à partir dessa convenção, sejam tomadas
algumas medidas bem concretas, precisamos ir fundo e analisar: por que há tanto
descontentamento e tanta frustração entre obreiros da IECLB.
Arrisco algumas sugestões, porque
somos luteranos e temos o direito de protestar:
1) Os obreiros da IECLB precisam ser mais valorizados à
partir da função para a qual foram
ordenados – eles não podem continuar sendo tratados como meros empregados
ou funcionários, cujo trabalho é medido pela produção.
2)
Precisamos ouvir – sem rancor e desarmado – o clamor
de obreiros, que acusam nossa IECLB de estar se transformando numa Empresa e
que nela reina “um espírito empresarial”!
3)
Um dos
grandes culpados, que estão gerando esse clima não bom na IECLB, é “A avaliação dos obreiros”.
4)
A maneira
como a avaliação é realizada não condiz com a dignidade ministerial.
5)
Já o contrato
de trabalho para um período de quatro anos cerceia a dignidade ministerial e
transforma o ministro em funcionário.
6)
Por isso sou de opinião que todo o sistema de
avaliação e “contratação” dos obreiros deve ser revisto e encontrada outra
forma de acompanhamento dos mesmos,..
7)
Obreiros cientes
e conscientes de sua função não
precisam ser avaliados, mas visitados por pessoas capacitadas para
escutá-los, consolá-los, aconselhá-los e quando necessário também admoestá-los
e mesmo repreende-los.
8)
Será que há disposição para tal mudança? E será
que temos pessoas capacitadas para esse serviço?
9)
Imagino que sim. Além dos Pastores Sinodais,
aos quais cabe esse serviço em primeiro lugar, podem ser convocados obreiros aposentados
e outras pessoas com tato e experiência em aconselhamento.
10)
Em meu entender, também os obreiros aposentados
precisam ser mais valorizados e suas experiências mais usadas.
11)
Outro tópico
importante, que precisa ser tratado com muito carinho: Nossas famílias de
obreiros, de todos os ministérios
ordenados, precisam saber e sentir que elas são importantes para a nossa
IECLB, que elas podem contar com sua Igreja em momentos dor, doença e crise. Em
todos os Sínodos deveriam existir equipes de profissionais da saúde física e
mental, credenciadas pelas respectivas instâncias da Igreja, para atender
nossas famílias ministeriais.
Por fim, gostaria de dizer ainda:
Sejam criativos, estimados colegas,
aprendam a discernir o central e essencial nos serviços ministeriais.
Se dediquem a esses serviços com alegria
e entusiasmo e tenham coragem para dizer não aos serviços, que não são
necessariamente atribuições do obreiro
Se assim procederem, com certeza, também
vão encontrar espaço e tempo para vocês mesmo
e para as famílias de vocês.
Que assim seja.
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