Friday, July 21, 2017

Cristão, você se indigna e se irrita com as coisas erradas.


Um pastor, em uma palestra para uma comunidade iniciou sua fala dizendo algo mais ou menos assim::
Tenho três coisas que eu gostaria de dizer hoje. Primeiro, enquanto dormia na noite passada, 30 mil crianças morreram de fome ou doenças relacionadas à desnutrição. Em segundo lugar, a maioria de vocês não dá a merda de importância. A terceira e o pior de tudo é que você fica muito mais chateado com o fato de eu ter dito "merda" do que com as 30 mil crianças morreram ontem à noite.

Ao citar isso, a gente obriga as pessoas a provar seu ponto de vista respondendo algo mais ou menos como, "Sim, entendi, mas eu ainda gostaria que ele colocasse o assunto de uma maneira mais educada..." Hummm, bem esta é a questão. A questão levantada por este sociólogo, na minha opinião, não é sobre as crianças (embora seja, obviamente); sua questão é que nós (cristãos) ficamos indignados com as coisas erradas. Nosso sentimento moral de indignação é na maioria das vezes muito mal direcionada.

O fato de termos rapidamente percebido a linguagem chula que nos ofende, antes de realmente registrarmos o fato de que as crianças estão morrendo, nos diz muito sobre o que nos precisa ser dito. Qualquer foco em um termo chulo e não em seu ponto maior de que as crianças estão morrendo de fome ou desnutrição e que podemos ser cúmplices já prova o que precisa nos chamar a atenção. Se houvesse um pequeno suspiro da multidão quando as palavras foram ditas ou, no mínimo, um estranhamento - tais reações foram mal direcionadas. As pessoas da congregação ficaram indignadas com a coisa errada.
O cristianismo acabou tomando o viés legalista, simplista e superficial do fundamentalismo (e até mesmo muitos aspectos do evangelicalismo), aliás, nisso podemos nos abraçar com o povo islâmico.Isto gera alguns gatilhos bastante estranhos sobre o que é que devemos nos ocupar, ou nos indignar. Aqui estão apenas alguns:

1.       Se você fica indignado ao ouvir que o casamento gay é legal ou que uma pessoa transgênera pode usar o mesmo banheiro público que você, mas você fica menos indignado com o ódio, a violência e a discriminação dirigidas a essas pessoas, muitas vezes levando ao suicídio: Você está indignado com as coisas erradas.

2.      Se você fica indignado quando as pessoas usam a saudação "Boas festas" em vez de "Feliz Natal", mas você fica menos indignado com o uso desperdício de recursos durante esta temporada e o consumismo superficial desenfreado enquanto muitos vivem na pobreza: Você está indignado com as coisas erradas.

3.      Se você fica indignado quando o governo usa seu poder para fazer corporações proteger seus trabalhadores e proteger o meio ambiente e você chama o governo de paternalista, mas você não fica nem um pouco indignado quando esses trabalhadores são explorados, feridos ou o meio ambiente é gravemente prejudicado: Você está indignado com as coisas erradas.

4.      Se você fica indignado com as famílias que recebem “Bolsa Família”, mas você está menos indignado com as estruturas institucionais, sociais e culturais que muitas vezes criam a necessidade de tal ajuda: Você está indignado com as coisas erradas.

5.      Se você fica indignado quando vê pessoas fumando cigarros ou bebendo álcool, mas você não fica nenhum pouco indignado quando você vê as pessoas se empanturrando, ou desperdiçando comida, sabendo que as pessoas vão para a cama com fome todas as noites: Você está indignado com as coisas erradas.

6.      Se você fica indignado quando entra em cartaz filmes que contêm linguagem grosseira ou nudez, mas você fica menos indignado com as exibições excessivas, sádicas e pornográficas de violência, assassinatos, sangrento e sangria em filmes de guerra, filmes de ação ou mesmo filmes como "A paixão do Cristo": Você está indignado com as coisas erradas.

7.      Se você fica indignado quando o congresso passa leis razoáveis ​​de restrição de armas, mas você está menos indignado com a quantidade de mortes acidentais relacionadas a armas de fogo entre as crianças e o nível geral de violência armada no mundo: Você está indignado com as coisas erradas.

8.     Se você fica indignado quando sente que o governo está restringindo suas liberdades religiosas, por que não se ora mais o Pai Nosso nas escolas, ou por que não tem mais ensino religioso confessional, ou por que se tirou os símbolos cristãos de câmaras de vereadores e tribunais, mas você fica bem menos indignado ou até mesmo aplaude a restrição das liberdades religiosas das outras religiões: Você está indignado com as coisas erradas.

9.      Se você fica indignado quando alguém comete adultério ou nos lapsos sexuais do próximo, mas você fica bem menos indignado quando as pessoas se reúnem para apedrejá-los, ou se reúnem para lançar insultos, fofocar ou evitá-los, ou envergonhá-los, ou aprovar leis para excluí-los: Você está indignado com as coisas erradas.

Se a nossa resposta ao que foi exposto acima é ainda é, "Eu entendi, MAS ..." você já perdeu a razão e teve razão, tudo ao mesmo tempo. Sim, você pode estar indignado com esses outros aspectos (corretamente ou incorretamente). A questão, no entanto, é que esses aspectos são pálidos em insignificância quando colocados ao lado da mais profunda e muito mais importante falha moral observada - a falha que realmente deveria nos indignar

Seria como se alguém contasse a Jesus, pouco antes de virar as mesas do cambista e agarrar um chicote, como eles estavam indignados pelo preço das pombas naquele ano. Vejam bem, não é uma falsa dicotomia. É um problema de escala.

Lembro-me de uma cena no filme "A vida é bela" onde vemos Guido (Roberto Benigni) tão feliz de pensar que seu velho amigo, o médico nazista, o ajudará depois que o médico o reconhecer e facilitar sua vida dentro da Campo de extermínio. O médico se lembra de quão inteligente era seu amigo e como ele conseguiu resolver enigmas difíceis. Começamos a pensar que o médico percebe o erro moral do campo de extermínio. Talvez ele tente salvar Guido e sua família. Mas não, finalmente percebemos, como faz Guido, que o médico simplesmente queria ajuda para resolver um enigma. Ele não vê Guido nem o sofrimento. Isso não o aborrece. O que o incomoda é não está encontrando a resposta para algo tão insignificante quanto um enigma. Ele até diz que não pode dormir à noite por causa disso.


Um exemplo extremo? Talvez. Ainda assim, acho que este é o tipo de pessoa em que nós, cristãos moralistas, nos parecemos, ou talvez corremos o risco de nos tornarmos, quando ficamos indignados com as coisas erradas, quando focamos o incidental e perdemos a questão moral mais profunda. Cristãos e seguidores de Cristo: peçamos a Deus para não sermos tal pessoa.

Sunday, July 02, 2017

Pregação do dia 2 de julho de 2017 em Rio das Antas