Bênção Noturna com Ironia Leve
Então,
chegamos ao fim do dia. Aquele momento em que você desliga o celular – ou finge
que desliga, deixando-o por perto, só para dar uma espiadinha furtiva, como
quem olha para o abismo e o abismo te manda uma notificação de promoção de
meias.
Dizem que a
família de Jesus foi até Ele enquanto Ele falava para uma multidão. Do lado de
fora, mandaram recado: “Tua mãe e teus irmãos estão te procurando”. E Jesus,
com aquela calma que só os filhos únicos ou os messias conseguem ter, olhou
para a plateia e disse: “Quem é minha mãe? Quem são meus irmãos?”. E apontando
para os ao seu redor, declarou: “Eis minha mãe e meus irmãos! Pois quem faz a
vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”. (Marcos 3:33-35)
É um
alívio, não? Imagina a pressão. A mãe do messias deve ser aquela que, nas
festas de família, pergunta quando você vai transformar água em vinho de
verdade, “aquele importado, meu filho”. Jesus, com um pragmatismo divino,
amplia o conceito de família. Sai o parentesco de sangue, entra a irmandade da
fé. Uma família escolhida, um pouco disfuncional como todas, mas unida por algo
maior que o sobrenome. Menos conflitos na partilha de herança, mas eis aí uma
nova dinâmica para os almoços de domingo.
Jeremias,
coitado, tentou fugir dessa irmandade. No capítulo 20, ele resolveu que não ia
mais falar em nome de Deus. Que era muito complicado, ninguém o levava a sério,
era cansativo. Mas aí, ele conta: “Mas sentia dentro de mim um fogo ardente,
encravado nos meus ossos; esforcei-me por contê-lo, mas não pude”. (Jeremias
20:9)
É isso. É
aquele incômodo sagrado. A vontade de fazer o bem que teima em não ser
silenciada, mesmo quando você só quer ficar quieto no seu canto, vendo uma
série e ignorando o mundo. É o fogo nos ossos que atrapalha a preguiça. É Deus
sendo aquele amigo chato que te chama para uma causa justa exatamente quando
você acabou de se sentar no sofá.
E Paulo, na
carta aos Colossenses, pede orações para que “Deus abra uma porta para a nossa
mensagem” (Colossenses 4:3). Uma porta. Ele não pede um megafone, um estádio
lotado ou um trending topic no X. Pede uma porta. Algo discreto. Uma
oportunidade singela, uma fresta. Porque às vezes o Reino de Deus não entra por
uma investida espetacular, mas pela porta dos fundos da vida, na conversa
trivial, no gesto simples que fala mais alto que qualquer sermão.
Então, que
nesta noite o seu silêncio seja abençoado.
Abençoado
seja o incômodo de Jeremias, aquele fogo nos ossos que lembra que há mais para
fazer, mas que também – e isso é importante – permite que você descanse para
recomeçar amanhã.
Abençoada
seja a família ampliada de Cristo, que te inclui, com toda a sua esquisitice e
suas dúvidas, sem precisar apresentar certidão de nascimento.
E que
amanhã, ao acordar, você encontra não um portão triunfal, mas uma portinha de
serviço aberta para você fazer a diferença, com a ironia suave de quem leva a
fé a sério, mas não a si mesmo.
E que o
amor de Deus, que é a mais complicada e simples das heranças familiares, te
cubra com um humor sagrado e um sono reparador.
Boa noite.
E que amanhã a gente tente de novo.
A Night Blessing with Gentle Irony
So, we’ve reached the end of the day. That moment when you
turn off your phone—or pretend to, leaving it nearby, just to sneak a furtive
peek, like someone gazing into the abyss only for the abyss to send you a
notification about a sock sale.
They say Jesus’ family came to Him while He was speaking to
a crowd. Standing outside, they sent word: “Your mother and your brothers are
looking for you.” And Jesus, with that calm only only children or messiahs can
muster, looked at the audience and said: “Who are my mother and my brothers?”
Then, pointing to those around Him, He declared: “Here are my mother and my
brothers! For whoever does the will of God is my brother, and sister, and
mother.” (Mark 3:33-35)
What a relief, right? Imagine the pressure. The mother of
the messiah must be the one who, at family gatherings, asks when you’re finally
going to turn water into real wine, “the imported kind, my son.” Jesus, with
divine pragmatism, expands the concept of family. Out goes blood relation, in
comes the brotherhood of faith. A chosen family, a bit dysfunctional like all
families, but united by something greater than a last name. Fewer inheritance
disputes, but there you have a new dynamic for Sunday lunches.
Jeremiah, poor guy, tried to escape this brotherhood. In
chapter 20, he decided he wouldn’t speak in God’s name anymore. It was too
complicated, nobody took him seriously, it was exhausting. But then, he says:
“But his word was in my heart like a burning fire shut up in my bones; I was
weary of holding it back, and I could not.” (Jeremiah 20:9)
That’s it. That sacred unease. The urge to do good that
stubbornly refuses to be silenced, even when you just want to stay quiet in
your corner, watching a series and ignoring the world. It’s the fire in the
bones that disrupts laziness. It’s God being that annoying friend who calls you
to a just cause exactly when you’ve just sat down on the couch.
And Paul, in the letter to the Colossians, asks for prayers
so that “God may open a door for our message” (Colossians 4:3). A door. He
doesn’t ask for a megaphone, a packed stadium, or a trending topic on X. He
asks for a door. Something discreet. A simple opportunity, a crack. Because
sometimes the Kingdom of God doesn’t enter through a spectacular effort, but
through the back door of life, in trivial conversation, in a simple gesture
that speaks louder than any sermon.
So, may your silence tonight be blessed.
Blessed be Jeremiah’s unease, that fire in the bones that
reminds you there is more to do, but that also—and this is important—allows you
to rest to start again tomorrow.
Blessed be the expanded family of Christ, which includes
you, with all your quirks and doubts, without needing to show a birth
certificate.
And may you find, upon waking tomorrow, not a triumphal
gate, but a little service door open for you to make a difference, with the
gentle irony of those who take faith seriously, but not themselves.
And may the love of God, which is the most complicated and
simplest of family inheritances, cover you with a sacred humor and restorative
sleep.
Good night. And may we try again tomorrow.
No comments:
Post a Comment