O Homem que Desconfiava dos Pontos Finais
Dizem que ele partiu. Eu desconfio. Luiz Fernando Verissimo não era do tipo que “parte”. Era do tipo que faz uma pausa dramática, dá uma tragada no cigarro imaginário, solta a fumaça lentamente e acrescenta uma vírgula onde todos esperavam um ponto final.
Ele não deve ter morrido. Deve ter achado a vida um texto um
pouco longo, com algumas repetições e certos clichês intoleráveis (a palavra
“imortal”, por exemplo, ele detestaria), e resolveu editá-la. Cortou o próprio
nome da última linha, deixou o documento aberto na mesa e foi tomar um café.
Para sempre.
Verissimo nos ensinou a rir do avesso das coisas. Ele pegava
um lugar comum – uma fila de banco, um ovo de codorna, um apartamento com
portaria eletrônica – e dava um leve puxão no fio, até que todo o novelo de
absurdos que chamamos de “vida normal” se desfazia em nossas mãos, hilário e
reconhecível.
Seus personagens eram nós mesmos, mas vistos pelo buraco da
fechadura. A Velha de Taubaté, radiosa em sua fé inabalável no absurdo. O
Analista de Bagé, com sua psicanálise a base de bom senso e chimarrão. Ed Mort,
o detetive que desvendava crimes menores, como a falta de graça do mundo. Até
Deus, em sua coluna, era um sujeito atarefado, às vezes distraído, tentando
administrar o caos de sua criação com um humor resignado.
Ele não usava a palavra como uma espada, mas como um palito
de dente. Algo que remexe gentilmente nos cantos da boca, tira um resto de
hipocrisia preso entre os dentes e deixa um gosto de “aha!”. Era um anarquista
do bem, um subversivo de sorriso discreto, cuja maior arma era a constatação:
“Perceberam como isso é ridículo?”.
O mundo ficou mais mudo. Mais sério. Mais literal. Faltará
sua prosa precisa, que dissecava a pompa e revelava a humanidade frágil e
engraçada por trás de tudo. Faltará seu jazz, seu saxofone silencioso tocando a
trilha sonora da melancolia alegre que ele tão bem descrevia.
Mas um escritor como Verissimo não morre. Ele apenas vira
uma interrogação pairando no ar, um parêntese aberto esperando um fechamento
que nunca virá, porque a piada interior é longa demais.
Ele nos deixa não com um ponto final, mas com reticências...
(Que ele, com certeza, está somewhere, reorganizando.)
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